terça-feira, 13 de outubro de 2009

Proibição de animais exóticos em circos

Depois da polémica em relação ao papel que os animais tem na nossa sociedade e ao devido tratamento e direitos que devem ter, foi finalmente aprovada uma lei que proibe animais exóticos em circos. A lei visa também a proibição da venda de animais exóticos e venenosos, como répteis de grande porte, nas lojas de animais. E, em relação aos circos, a proibição passa pelos elefantes, felinos de grande porte, rinocerontes, ursos, por aí fora. Os que já se encontram nos circos têm permissão para aí ficar até ao fim das suas vidas, porém têm de ser registados num prazo de noventa dias, se não estou em erro. Julgo que o mais correcto a fazer após esta lei sair, seria encaminhar as espécies de animais abrangidas pela lei e que já se encontram nos circos para santuários, de modo a passarem o resto das suas vidas num local onde pudessem disfrutar de outras condições, ainda que não as ideias, mas ainda assim, melhores. Victor Hugo Cardinalli já expressou a sua indignação, dizendo que paga o justo pelo pecador, pois há circos com más condições mas no dele os animais são muito bem tratados... Agora digam-me a mim onde fica a ideia de justiça de um homem que maltrata e abusa animais para entretenimento e para ganhar dinheiro. É ridículo dizer que os trata bem porque NENHUM animal, e muito menos animais de um porte tão grande quanto os que possui, está bem tratado e feliz dentro de uma jaula. A jaula até pode ser grande, ser limpa dez vezes ao dia. É uma jaula, não é uma savana africana (falando nos leões). Espanta-me como muita gente não entende esse pequeno pormenor... E acham que a educação de uma criança deve passar por entender que os ursos são seres que imitam os humanos, se vestem com tutus e andam de bicicleta numa arena com centenas de pessoas a assistir? Isso é simplesmente ridículo. O senhor Víctor Hugo que admita de uma vez que os animais que tem são apenas objectos lucrativos para ele. Se os ama tanto quanto diz, que os deixe ser felizes, não é acorrentados e sendo castigados dia após dia para aprenderem truques ridículos que o irão ser.
Gostava que as pessoas entendessem de uma vez por todas que os animais não nos pertencem, não são objectos de divertimentos e não temos o direito de os subjugar à nossa malvadez. Nem a eles nem a nenhum ser senciente. E antes que mais alguma alma iluminada dê o argumento ridículo das plantinhas também sofrerem e sentirem...

"Entende-se por ser senciente todo o ser que tenha a senciência como uma das suas características, ou seja, a capacidade de experienciar o sofrimento (seja a nível físico, seja a nível psíquico). Só os animais (embora nem todos) podem ser sencientes, na medida em que, tanto quanto se sabe, são os únicos seres vivos dotados de um sistema nervoso capaz de permitir a experiência do sofrimento. Por outro lado, a senciência pressupõe a consciência, num grau mais ou menos avançado, pelo que, quando falamos em seres sencientes, estamos também a falar em seres conscientes (e, eventualmente, em seres auto-conscientes)."
- Miguel Moutinho

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A Câmara Municipal de Lisboa captura e maltrata gatos à noite

Os moradores da freguesia do Castelo, em Lisboa, estão indignados e acusam a Câmara Municipal de Lisboa de maltratar os gatos de rua que deambulam naquela zona e que são tratados e alimentados pelos próprios moradores.
"Na madrugada de 23 de Abril, pelas três da madrugada, apareceu uma carrinha da câmara e começou a apanhar os gatos de uma forma bárbara e a atirá-los lá para dentro como se fossem mercadoria. Chegaram a partir as patas a um deles, que conseguiu fugir. Foi desumano", contaram ao CM Gabriela Ribeiro e Rita Silva.

Em 2006, cerca de duas dezenas de moradores e a junta de freguesia do Castelo celebraram um protocolo com a autarquia no qual se comprometiam a tomar conta dos gatos de rua da zona. "Quando os animais estavam doentes ou necessitavam de ser esterilizados, a câmara levava-os em caixas específicas para o gatil e aqueles que estavam em condições eram devolvidos. Desta vez os funcionários até gozaram com a nossa preocupação", dizem as moradoras.

"Tínhamos pedido uma intervenção da autarquia, mas estas coisas costumam ser agendadas. Não posso concordar que se recolham gatos de uma forma bárbara", contou ao CM Carlos Lima, presidente da junta do Castelo.

Contactado pelo CM, o gabinete de Sá Fernandes, vereador da câmara com o pelouro do Ambiente, explicou que "a intervenção aconteceu a pedido da junta de freguesia e dos moradores. Nós informámos a junta. Uma veterinária da câmara já tinha identificado vários gatos que não estavam ao abrigo do protocolo e que podem propagar doenças ou ser um chamariz para outros animais". A câmara disse ainda ao CM que está a investigar a denúncia dos moradores sobre os alegados maus tratos aos animais.

Curiosamente, esta recolha de madrugada aconteceu exactamente um dia antes de o autarca António Costa visitar o Núcleo Museológico do Castelo de São Jorge.

APONTAMENTOS

ALIMENTAÇÃO
Os moradores do Castelo compram ração seca para gatos e alguns patês em sacos de vinte quilos. Gastam uma média de 50 euros por mês para alimentar os animais da sua freguesia.

PATAS PARTIDAS
De acordo com os moradores, um dos gatos que os funcionários da autarquia tentaram apanhar ficou com as patas partidas e, apesar de lesionado, anda fugido da freguesia. Os moradores não conseguem tratá-lo.

ATROPELADO
No final de Abril um gato foi atropelado no Castelo pelas 23h00. Os moradores alegam que ligaram imediatamente para a câmara, mas que esta só recolheu o gato, que estava em sofrimento, às 14h50 do dia seguinte.

CARTA
No dia 4 de Maio os moradores do Castelo endereçaram uma carta ao autarca António Costa, mas ainda não tiveram resposta.

Os koalas têm sede

Devido ao incêndio muitos Koalas estão cheios de sede, é bom ver como a população tenta ajudar como pode.


domingo, 29 de março de 2009

Animais são capazes de fazer planos

A história quase que vale só por si. No jardim zoológico Furuvik, a norte de Estocolmo, na Suécia, o chimpanzé Santino terá planeado centenas de ataques aos visitantes. O animal recolhia pedras e pedaços de cimento que guardava e que, mais tarde, lançava às pessoas. A agressão premeditada serviu para provar que estes animais são capazes, como os seres humanos, de planear futuros acontecimentos. Um grupo de investigadores na Suécia usou o caso de Santino para o artigo que publicou na edição de ontem da Current Biology.

Terão sido os cuidadores de Santino no jardim zoológico que detectaram o comportamento estranho. Antes da abertura, de manhã cedo, o chimpanzé recolhia pedras no seu recinto. Santino estava calmo e conseguia reunir uma quantidade razoável de munições. Os ataques só aconteceriam horas mais tarde e, nessa altura, Santino já estava num estado bem mais agitado. A história serviu para Mathias Osvath, cientista da Univerisdade de Lund, demonstrar que estes animais são capazes de prever acontecimentos, um dado que ainda não tinha sido possível provar.

Há outros dados que reforçam a teoria da premeditação como, por exemplo, o facto de Santino não ter este tipo de comportamento na altura do ano em que o zoo está fechado. O chimpanzé terá mesmo desenvolvido uma técnica para fazer "descolar" pedaços de cimento que depois eram usados como arma de arremesso. Este tipo de planeamento de acção pressupõe uma complexa forma de consciência em primatas, nomeadamente a que permite distinguir entre a informação fornecida pela memória e a que é fornecida pelos sentidos. Os investigadores acreditam que estes estados de consciência podem ser encontrados noutros chimpanzés e mesmo noutras espécies animais como os golfinhos.
- In “Público”

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Funcionários ameaçados de despedimento por ajudarem animal

Mensagem de Ana Castro para a accaoanimal:


Funcionários ameaçados de despedimento por ajudarem animal

Comunicação aos jornalistas:

No final deste e-mail podem encontrar os nomes e contactos dos diversos intervenientes neste caso, se tiverem interesse em investigar para apurar a verdade. A Dr.ª Sofia Marques mostrou-se disponível para testemunhar o que se passou, afirmando ainda que existem funcionários do Intermarché dispostos a testemunhar anonimamente, uma vez que temem o despedimento.

No dia 23 de Outubro de 2008 houve um acontecimento insólito no Intermarché de Mafra, que está a deixar em choque os amantes de animais.
Este acontecimento tem sido divulgado na Internet e na comunicação social pela Dr.ª Sofia Marques, médica veterinária interveniente no sucedido.
Ao que foi possível apurar, nessa manhã um gato penetrou por uma fenda do Intermarché, ficando entalado entre a parede exterior do edifício e um contentor que serve de escritório. Vários funcionários, ouvindo os gemidos do animal, ficaram alarmados e compadeceram-se dele. Um dos funcionários chamou os Bombeiros às 10h50. Estes acharam por bem avisar a Protecção Civil, a fim de obter meios para remover o contentor de forma a que o animal pudesse sair.

A Protecção Civil foi avisada às 11h10. Infelizmente, era necessária uma grua para remover o contentor exterior. Quando a gerência se apercebeu do alarido que isso ia causar, recusou qualquer ajuda. Resta apurar se a Protecção Civil de facto tentou fazer algo... ou já não foi a tempo por falta de meios. De qualquer modo, importa reforçar que a gerência da SODIMAFRA não permitiu ajuda.

No entanto, uma janela (tipo bandeira) do WC dos funcionários permitia acesso ao local onde se encontrava o felino. Tentaram por essa janela enviar uma rede a fim do felino se agarrar e poder sair por ali, mas o pobre animal já estava agonizante, fraco e sem forças para se mexer.
Chocado, um funcionário que presenciava o sucedido telefonou por volta das 14h pedindo ajuda à Dr.ª Sofia Marques, que pelo telemóvel conseguia ouvir "os gemidos agonizantes do animal". Estando o mesmo em perigo de vida, a veterinária ofereceu-se por telefone para arranjar alguém (por exemplo, o seu marido, que estava por perto e que tinha meios para serrar o ferro e depois soldar de novo as grades para remover a janela da casa-de-banho do edifício) que resgatasse o gato. O funcionário transmitiu esse recado à gerência, mas como várias pessoas podem testemunhar… a ajuda foi de novo recusada. Agora a gerência nega que essa ajuda foi oferecida!

Para surpresa de todos, além de recusar a ajuda, a gerência frisou que qualquer meio de acção seria impedido! Nada de se estragar as instalações!
A Dr.ª Sofia avisou o SEPNA, a GNR e até o Veterinário Municipal, sem quaisquer resultados. O auxílio continuou a ser negado por parte do Intermarché! A GNR deslocou-se ao local, mas não informou o que aconteceu durante essa visita. A Dr.ª Sofia tinha-os informado que havia ameaça de despedimento se os nomes dos funcionários fossem divulgados.

Às 22h30 a veterinária conseguiu ter acesso à casa-de-banho por onde se podia socorrer o gato, verificando com pesar que o animal já estava morto. Já não se ouvia nada... A janela tinha sido forçada e a Dr.ª ainda tentou abri-la para ver melhor, contudo foi impedida por um funcionário que lhe disse: “Tentámos abrir a janela... Forcei um bocadinho, mas a gerência não deixou estragar nada.... Nem permitiu que mexêssemos mais nela. É melhor não mexer". A janela estava tapada por um espelho amovível. "Foi uma tarde de horror no Intermarché, com dezenas de pessoas a assistir, muitas a ouvir o bicho a agonizar, inclusive crianças....Uma vergonha!" - Menciona ela.

Algumas testemunhas que ainda hoje se lembram dessa tarde não conseguem evitar as lágrimas. O som do animal a pedir ajuda, numa agonia que se prolongou por um dia inteiro, não sai da cabeça de quem assistiu e ouviu aquela tragédia.
A mensagem que a Dr.ª Sofia utilizou para divulgar este caso explicita com revolta: "E agora, senhores doutores do Intermarché? Daqui a dois dias o gato cheira a podre! E ninguém vai gostar de abrir a janela do WC, janela essa que os senhores doutores não permitiram abrir, serrar e assim ajudar a salvar uma vida!"

Resposta ouvida por outra testemunha: “Não há problema: despeja-se ácido no cadáver e pronto, está o assunto da salubridade arrumado.”
A Dr.ª Sofia acrescenta ainda: "O Intermarché finge que ajuda os animais com iniciativas conjuntas com a União Zoófila, mas na prática... recusam ajuda para salvar uma vida!"

Através da internet, a mensagem da Dr.ª Sofia tem sido divulgada por e-mail, em fóruns e grupos de discussão, e a opinião dos internautas é unânime: além de dever um pedido de desculpas ao público, o Intermarché tem de tomar medidas para que este tipo de incidentes não volte a repetir-se, nomeadamente bloquear aquela fenda ou remover o contentor para mais longe da parede. Acima de tudo, deve-se punir a gerência por ter recusado a ajuda.
Há mesmo quem sugira que, para compensar este triste incidente, o supermercado deveria doar ração a associações da zona que protejam animais abandonados. Outros internautas mostram-se mais radicais e afirmam simplesmente que vão boicotar as compras no Intermarché e passar a palavra a todos os seus contactos para que façam o mesmo.

Face aos inúmeros e-mails de protesto enviados ao supermercado, o Departamento de Qualidade do Intermarché tem respondido dizendo que não foi negada a entrada dos Bombeiros nem da GNR ao local, e que nada puderam fazer para salvar o animal.
No entanto, curiosamente, não explicam porque recusaram a ajuda da Dr.ª Sofia, que continua a afirmar que era possível resgatar o felino através da janela do WC.

Neste momento o caso está a ser divulgado à imprensa e até à sede do Intermarché em França, que se mostrou indignada e exige explicações à gerência.

Uma pergunta fica no ar: e se a fenda fosse suficientemente grande para uma criança lá ficar entalada?

Contactos:
Dr.ª Sofia Marques - 919842182 (E-mail para pedido de fotos: wisewyn@sapo.pt)
Bombeiros de Mafra - 261812100
SEPNA - 808200520
GNR Mafra - 261815124
Veterinário Municipal - Dr. Carvalhão Gil

domingo, 2 de novembro de 2008

Resposta da ANIMAL a Paulo Rangel

O texto é um pouco grande mas é bastante bom. Evidenciei as partes que, para mim, são mais 'importantes', ou o que quer que lhe chamem.

"As declarações de Paulo Rangel, líder parlamentar do PSD, ao “Sol” na entrevista que deu a este semanário e que foi publicada neste jornal no passado Sábado despoletou uma forte reacção crítica da ANIMAL e uma onda de protestos que têm estado a ser dirigidos à Presidente do PSD e ao Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, que, num exótico sinal de democracia e abertura ao público e aos eleitores/cidadãos, têm estado a apagar as mensagens que têm recebido ainda antes de as lerem... talvez para virem, dentro de dias, mais uma vez lamentar a falência do actual sistema político representativo e a distância que está criada entre eleitos e eleitores.

E, como não poderia deixar de ser, também a posição da ANIMAL – que, ao contrário da de Paulo Rangel, é passível de ser racionalmente defendida com sucesso – está a gerar reacções diversas e a criar discussão. Importa dizer que tal é, do ponto de vista da ANIMAL, muito bom e importante, uma vez que a ANIMAL defende exactamente uma postura de crítica racional e aberta – que acolhe o debate racional e informado como meio privilegiado para se poder alcançar conclusões verdadeiras acerca do que está em discussão – e procura cultivá-la e fomentá-la, além de a praticar, pelo que pretende sempre lançar e travar discussões racionais que possam vir a aproximar-nos mais do que é a verdade ou a justiça, do que é mais ético. Consequentemente, pretendemos, isso sim, deixar claro que a ANIMAL não foge a discussões e que antes as enfrenta com gosto e interesse, tal como agora o está a fazer.

É neste contexto que se torna especialmente importante explicar por que razão as declarações de Paulo Rangel suscitaram e continuam a suscitar tanta crítica e, mais do que isso, por que razão a visão de Paulo Rangel acerca dos animais e da suposta importância menor destes é errada e carece de fundamentos. Esse é o propósito deste esclarecimento (que não pretende ser demasiadamente técnico nem exaustivo, pois este não seria o contexto certo para tal) que, embora possa ser longo (e agradecemos desde já a paciência de quem se disponha a lê-lo), é fundamental para este debate, cuja abrangência e implicações ultrapassam monumentalmente o “episódio Paulo Rangel”, embora este tenha vindo a ser imprevistamente oportuno para que esta discussão seja travada.

Será consensual afirmar que a “dignidade” de um ser será a respeitabilidade moral que ele detém. Neste sentido, quando afirmamos que um ser tem dignidade, estamos a afirmar que ele não pode ser tratado de qualquer maneira, que o modo como ele é tratado não é indiferente. Um ser que tenha dignidade deve, pois, ser tratado de um modo que tenha em consideração e que esteja de acordo com a sua dignidade, nomeadamente considerando o conjunto de características que ele possui que o levam a ter interesses elementares que vêm a traduzir-se, na esfera da moral, em direitos fundamentais, compondo, assim, a sua dignidade moral.

O processo de aferição da dignidade de um ser é um processo de avaliação ética, necessariamente racional. Não é um exercício de opinião livre, meramente subjectivo, cativo das variáveis introduzidas pelas particularidades de cada avaliador. Trata-se, isso sim, de um processo de avaliação que deve ser feito com base na melhor informação disponível acerca de como é esse ser, de modo a determinar se as características deste preenchem os critérios morais para o reconhecimento da dignidade de um ser e se, no caso de tal acontecer, há, então, razões que façam com que esse ser seja digno.

Segue-se daqui uma implicação imediata – que a humanidade já aprendeu mas ainda não compreendeu em toda a sua extensão: a cor de pele, o género ou a identidade sexual desse ser, entre outras características moralmente irrelevantes entre as quais se inclui também a espécie a que esse ser pertence, não contam para esta equação. O que conta é o conjunto de características que ele possui e que o poderão fazer moralmente importante e digno – ou nada importante. Tal deita por terra a validade de qualquer preconceito racista, sexista, homofóbico, especista ou outro como base aceitável para se decidir sobre o estatuto moral de um ser. Do mesmo modo que ser branco, amarelo ou preto (ou verde, por hipótese) não importa de todo em termos morais, e do mesmo modo que ser homem ou mulher, heterossexual, homossexual, bissexual, assexual ou o que for, em nada relevam para determinar a respeitabilidade moral de um indivíduo, também a mera pertença a uma espécie, ou seja, o facto de ser-se humano ou cão ou porco ou galinha, não determina, por si só, se ou que estatuto moral deve um indivíduo ter.

Na verdade, há um conjunto de características cuja relevância moral facilmente se consegue perceber e que facilmente podem aspirar a ser universalmente aceites porque são universalmente válidas, que servem de base para o reconhecimento da importância moral de um ser. A primeira e mais fundamental destas características é a senciência, ou seja, a capacidade física e mental que um ser tem para experienciar subjectivamente aquilo que lhe acontece. Um ser senciente é sensível à dor e ao prazer, pode sentir conforto ou desconforto e está subjectivamente exposto a estímulos que recebe como positivos ou negativos, em função dos quais se sente bem ou mal. Um ser senciente tem experiências não apenas físicas mas também conscientes (mais ou menos complexas) do que lhe acontece. É um sujeito para o qual o que lhe acontece e o modo como é tratado faz diferença. É um sujeito que pode ser bem tratado ou mal tratado e que tem interesse em sentir-se livre de qualquer tipo de sofrimento ou desconforto, ao mesmo tempo que tem interesse em ter experiências positivas, tais como o prazer e o conforto, entre outras. Um ser senciente, independentemente da complexidade da sua mente, é um indivíduo. E, justamente por ser um indivíduo (com uma história), para quem o que lhe acontece faz toda a diferença, que tem interesses fundamentais perfeitamente reconhecíveis (tais como o interesse em não ser torturado, o interesse em não ser aprisionado e o interesse em não ser morto) e a quem a vida pode correr bem ou mal, um ser senciente possui as características elementares que o habilitam a ser considerado um ser moralmente respeitável, ou seja, um ser possuidor de dignidade – em relação ao qual a maneira como nos comportamos deve necessariamente ser moralmente correcta, em função dessa dignidade.

Ora, a senciência é uma característica ostensivamente detida pela maior parte dos animais, certamente pelo menos pelos vertebrados, cefalópodes (ex.: polvos) e decápodes (ex.: lagostas). Se um ser é senciente, ou seja, se é possuidor de todas estas características e destes interesses elementares que as mesmas criam num indivíduo, esse ser vem a ter dignidade moral como consequência de ser como é e de, assim, importar moralmente enquanto indivíduo, pertença ele à espécie a que pertencer, tenha muitos ou poucos pêlos no corpo, caminhe sobre duas ou quatro pernas (ou não caminhe, no caso dos peixes, por exemplo). Chegamos, então, à conclusão de que pelo menos grande parte dos animais (por oposição às plantas, que não são seres sencientes) são seres possuidores de dignidade moral intrínseca, ou seja, a dignidade moral deles existe e justifica-se pelas características que eles próprios possuem – e não extrínsecas, como sugeriu Paulo Rangel, alegando, sem explicar porquê, que os humanos é que têm o dever de respeitar os animais sem que eles tenham o direito a serem respeitados.

Colocam-se, entretanto, duas outras questões que precisamos de resolver. (1) Convencione-se, então, depois desta conclusão, que pelo menos todos os animais que são sencientes (deixando de parte os que não serão, como será o caso dos mosquitos, por exemplo) têm dignidade moral e direitos fundamentais. Como podem eles ter direitos se não têm deveres e se eles próprios não respeitam os direitos uns dos outros quando caçam, por exemplo? (2) Ainda que os animais que não são humanos possam ter dignidade e direitos fundamentais, não será verdade que, mesmo assim, estão numa esfera de importância moral menor do que o patamar de importância moral em que se encontram os humanos?

Respondendo à primeira questão (1), precisamos primeiramente de definir se a detenção e o gozo (ou a titularidade, numa linguagem mais jurídica) de direitos dependem da detenção e do cumprimento de deveres, como se defende numa perspectiva contratualista.

Segundo esta visão, só os seres que têm deveres (que podem compreender o conceito de dever e que podem agir em função dele) podem ter direitos. E, segundo esta visão, esse será o caso de todos os humanos. No entanto, esta visão está factualmente errada porque há muitos humanos que, seja temporária ou permanentemente, não compreendem o conceito de dever, não podem agir em função dele e deles não se espera nem se lhes exige o cumprimento de qualquer dever. A um bebé, a um senil, a um comatoso ou a um humano portador de uma qualquer deficiência mental não é exigido qualquer comportamento moralmente correcto. São humanos que ficam de fora da esfera dos deveres morais, por não lhe estarem vinculados justamente porque não os entendem. No entanto, não ficam nem podem ficar de fora da esfera dos direitos morais, uma vez que continuam a possuir as mesmas características e os mesmos interesses elementares que todos os outros humanos (os que podem compreender e cumprir deveres) possuem, do que se segue que não lhes podem legitimamente ser negados ou retirados quaisquer direitos dos quais se mantêm titulares. Conclui-se, então, que esta visão deve ser rejeitada não só porque assenta no pressuposto falso de que todos os humanos podem, contratualmente, gozar de direitos porque podem cumprir deveres, como é também injusta e discriminatória, uma vez que, se for aceite e implementada, deixa de fora muitos humanos (e todos os animais não-humanos) que, não podendo embora compreender e cumprir deveres, continuam a merecer ser titulares de direitos. Estes são, como lhes chama o filósofo Tom Regan, pacientes morais, em relação aos quais nós, os agentes morais, temos deveres mas dos quais não podemos esperar retorno em termos de cumprimento de deveres.

Ainda respondendo à segunda parte da primeira questão (1), precisamos de determinar se o comportamento amoral (fora da moral) entre animais não-humanos (como acontece na caça, quando uma leoa mata uma gazela, por exemplo) deve ditar que, por consequência, estes fiquem totalmente fora da moral e não possam ser titulares de direitos por nem sequer respeitarem os direitos uns dos outros. A resposta a esta questão é bastante simples e encontra-se na própria questão. É exactamente porque os animais não-humanos vivem num mundo e têm um comportamento amoral (fora da moral), em que a predação faz, além do mais, parte das suas necessidades de sobrevivência (o que não acontece com os humanos, que podem ser integralmente vegetarianos e serem mais saudáveis com uma dieta exclusivamente vegetariana do que serão se consumirem produtos animais), que não estão sujeitos a qualquer dever moral, que não compreendem, do mesmo modo que não compreendem os direitos morais que uns e outros terão. Ao contrário da espécie humana, que, entre outros sistemas de regras pelos quais se rege, regula-se também por códigos morais (que são criações intelectuais e sociais humanas e que, enquanto tal, não existem noutras sociedades animais) e pode reflectir moralmente acerca da correcção e justeza de um acto, de uma decisão, de um qualquer comportamento, as outras espécies animais não o fazem porque não o podem fazer – pelo menos não como os humanos o fazem. E isso não é melhor nem é pior, é apenas diferente, em nada relevando para atribuição de um estatuto moral especial aos animais humanos. E isso remete-nos para a resposta à segunda questão (2).

Respondendo agora à segunda questão (2), somos chamados a reflectir sobre se os humanos terão algo de especial que os distancia das outras espécies animais a ponto de lhes conferir um estatuto moralmente superior, ainda que aos outros animais sejam reconhecidos direitos e/ou dignidade. Somos chamados a reflectir sobre a “separação ontológica” que Paulo Rangel afirma fazer entre os humanos e os outros animais. Que fundamentos poderemos encontrar para esta separação? O que poderá fazer com que ela seja válida?

Se adoptarmos uma visão religiosa (eventualmente católica, entre outras que poderão sugerir o mesmo) segundo a qual os humanos estão no topo da criação e todos os outros animais terão sido criados apenas para servirem os humanos, assim como a Terra teria sido criada apenas para servir de lar aos humanos e para que estes dela pudessem dispor de acordo com as suas conveniências, talvez essa separação possa, desta perspectiva, fazer sentido.

No entanto, se virmos esta questão mais uma vez sob uma perspectiva cientificamente rigorosa, informada e desprovida de qualquer preconceito religioso, ou seja, se virmos esta questão sob uma perspectiva que é sempre válida e universalmente compreensível, independentemente de qualquer crença religiosa (do que se segue que tanto terá condições para ser aceite por católicos, judeus, muçulmanos ou hindus, quanto para ser aceite por ateus), não encontramos nenhum fundamento para essa tal “separação ontológica”, para esse suposto fosso que nos distancia radicalmente dos outros animais, dando-nos uma importância que estes últimos nunca teriam. Se para chegarmos aos melhores, mais justos e mais universalizáveis princípios éticos devemos fundar-nos numa ética racional e cientificamente informada, num código moral que seja guiado pela razão e que seja atento à realidade material e não pela religião ou por qualquer preconceito ideológico, o mesmo devemos fazer para tratar a questão dos direitos dos animais e do estatuto destes. E para tal devemos lembrar-nos que, no passado, os mesmos preconceitos religiosos e/ou ideológicos levaram os humanos a encontrar “separações ontológicas” entre brancos, negros e índios, entre arianos e judeus, entre homens e mulheres. E, viemos a aprendê-lo e a compreendê-lo (embora talvez ainda não de forma suficiente), tal era errado. Essas “separações ontológicas” eram falsas e injustas. E felizmente foram expostas e dispensadas enquanto tal.

Charles Darwin ensinou-nos, há já mais de um século, algo que outros biólogos entretanto continuaram a ensinar-nos e que foram estudando e explicando melhor. Algo que nós, humanos, insistimos em desprezar ou fingir que não é verdade. O evolucionismo mostrou-nos que esse fosso entre humanos e outros animais não existe. Que essa diferença ou distância radical não existe. Cada espécie animal – estando a humana obviamente incluída nestas – evoluiu por selecção natural, mantendo, ao longo dos ciclos de reprodução, a passagem hereditária das características que habilitavam as espécies a sobreviver como as mais comuns, enquanto desapareciam ou rareavam as características que menos tornavam as espécies aptas para sobreviver. Assim, os humanos evoluíram por este processo do modo que lhes permitiu sobreviver enquanto espécie, tendo o mesmo acontecido com todas as outras espécies que não se extinguiram em resultado da selecção natural. Segue-se daqui que os humanos são óptimos a serem humanos mas seriam péssimos se tentassem ser galinhas. As galinhas são excelentes a ser galinhas mas seriam uma lástima se tentassem ser cães ou se fossem medidas segundo parâmetros caninos. E os cães (incluindo o Monty, de Paulo Rangel) são invencíveis a ser cães, mas falhariam rotundamente a um teste que tentasse medir as suas aptidões para serem humanos. E é exactamente esta medição que é errada. Um porco, uma vaca, um gorila, um salmão ou um cão não são melhores nem piores do que os humanos. Não são inferiores nem superiores. Não são mais evoluídos nem são menos evoluídos. São aquilo que vieram a ser dado o processo de evolução por que passaram e que fez com que sobrevivessem enquanto espécie. E o mesmo vale para os humanos. Por muito que infantilmente gostássemos de ser os melhores, os superiores, o cúmulo, não somos. Somos apenas humanos e isso não é mau nem desprestigiante. Não nos deve complexar de modo algum. Deve apenas tornar-nos mais humildes, mais cientes do nosso lugar na Terra e mais compassivos em relação a todos os outros animais.

Impõe-se a principal conclusão desta discussão. Os defensores dos direitos dos animais (que são também, obviamente e é importante destacá-lo, defensores dos direitos humanos) não pretendem reduzir o estatuto, importância ou dignidade dos humanos de modo algum. Pretendem apenas torná-lo mais claro, mais racional e mais justo. Pretendem apenas que os humanos percam esse perigoso complexo de superioridade que não tem qualquer fundamento e que tantos erros graves nos tem levado a cometer – incluindo contra os outros membros da nossa espécie. E, ao mesmo tempo, os defensores dos direitos dos animais pretendem, de igual modo, levar as sociedades humanas a reconhecerem e aceitaram as implicações da mesma teoria dos direitos fundamentais que faz com que a dignidade (animal) humana exista e que, pelos mesmos parâmetros, faz também com que a dignidade (animal) não-humana exista essencialmente nos mesmos termos. Não há, então, uma oposição entre a dignidade dos (animais) humanos e a dignidade dos (animais) não-humanos. Não há uma competição por direitos. Uns não têm que estar pior em benefício dos outros. Entre estes, moralmente iguais, ninguém vale mais do que ninguém, ao contrário do que afirmou Paulo Rangel.

Há, porém, uma parte nesta comunidade de iguais que tem sobre si um peso especial, que carrega solitariamente – o peso da responsabilidade que a razão humana traz consigo. E esse é um peso que devemos carregar de forma justa e positiva, sem a arrogância especista. Porém, se o fizermos com sentido de dever e de justiça, com compaixão e sentido de altruísmo, não será pesado de todo. E dignificar-nos-á. Será um ponto a favor da dignidade humana e será, ao mesmo tempo, um ponto a favor da dignidade animal. A realização do projecto moral humano e da elevação moral das sociedades humanas depende, como grandes pensadores já o afirmaram, não só do modo como os humanos se tratam a si mesmos mas também, e importantemente, do modo como os humanos tratam os outros animais. E é fundamental que Paulo Rangel e quem o acompanha no pensamento errado que este evidenciou compreendam isto."
Por Miguel Moutinho, Presidente da ANIMAL

sexta-feira, 3 de outubro de 2008